"Três meses depois receberam um envelope grande com vinte e nove cartas e mais de cinqüenta retratos, que tinham se acumulado nos ócios do alto-mar. Embora não pusesse datas, era evidente a ordem em que tinha escrito as cartas. Nas primeiras, contava com o seu humor habitual as peripécias da travessia, a vontade que lhe dera de atirar pela amurada o comissário que não lhe permitira trazer os três caixotes no camarote, a imbecilidade lúcida de uma senhora que se aterrava com o número 13, não por superstição mas porque lhe parecia um número que ficara por terminar, e a aposta que ganhara no primeiro jantar porque reconhecera na água de bordo o gosto das beterrabas noturnas das fontes de Lérida. Com o correr dos dias, entretanto, a realidade de bordo interessava-o cada vez menos e até os acontecimentos mais recentes e triviais lhe pareciam dignos de saudade, porque à medida que o navio se afastava a memória ia se tornando triste. Aquele processo de nostalgização progressiva era também evidente nos retratos. Nos primeiros parecia feliz, com a sua camisa de inválido e o seu topete nevado, no encapelado outubro do Caribe. Nos últimos, era visto com um sobretudo escuro e um cachecol de seda, pálido por natureza e taciturno pela ausência, na coberta de um navio de angústia que começava a sonambular por oceanos outonais. Germán e Aureliano respondiam as suas cartas. Escreveu tantas nos primeiros meses que agora se sentiam mais perto dele do que quando estava em Macondo e quase se aliviavam da raiva de que tivesse ido embora. No princípio, mandava dizer que tudo continuava igual, que na casa onde nascera ainda havia o caracol rosado, que os arenques secos tinham o mesmo sabor sobre a torrada, que as cascatas da aldeia continuavam se perfumando ao entardecer. Eram outra vez as folhas de cadernos retomadas com garranchinhos roxos, nas quais dedicava um parágrafo especial para cada um. Entretanto, e embora ele mesmo não parecesse perceber, aquelas cartas de recuperação e estímulo se iam transformando pouco a pouco em pastorais de desengano. Nas noites de inverno, enquanto fervia a sopa no fogão, desejava o calor dos fundos da loja, o zumbido do sol nas amendoeiras empoeiradas, o apito do trem na sonolência da sesta, da mesma forma como desejava em Macondo a sopa de inverno no fogão, os pregões do vendedor de café e as cotovias fugazes da primavera. Aturdido por duas saudades colocadas de frente uma para a outra como dois espelhos, perdeu o seu maravilhoso sentido de irrealidade até que terminou por recomendar a todos que fossem embora de Macondo, que esquecessem tudo o que ele ensinara do mundo e do coração humano, que cagassem para Horácio e que em qualquer lugar em que estivessem se lembrassem sempre de que o passado era mentira, que a memória não tinha caminhos de regresso, que toda primavera antiga era irrecuperável e que o amor mais desatinado e tenaz não passava de uma verdade efêmera.
Álvaro foi o primeiro a seguir o conselho de abandonar Macondo. Vendeu tudo, até a onça cativa que zombava dos transeuntes no quintal da sua casa, e comprou uma passagem eterna num trem que nunca acabava de viajar. Nos cartões postais que mandava das estações intermediárias, descrevia aos gritos as imagens instantâneas que tinha visto pela janela do vagão, e era como ir rasgando em tiras e jogando ao esquecimento o longo poema da fugacidade: os negros quiméricos nos algodoais da Louisiana, os cavalos alados na grama azul de Kentucky, os amantes gregos no crepúsculo infernal do Arizona, a moça de suéter vermelho que pintava aquarelas nos lagos de Michigan e que lhe deu com os pincéis um adeus não era de despedida mas de esperança, porque ela ignorava que estava vendo passar um trem sem regresso. Em seguida foram Alfonso e Germán, num sábado, com a idéia de voltar na segunda-feira, e não se soube mais deles. Um ano depois da partida do sábio catalão, o único que restava era Gabriel ainda vivendo à deriva, à mercê da eventual caridade de Nigromanta, e respondendo aos questionários do concurso de uma revista francesa, cujo maior prêmio era uma viagem a Paris. Aureliano, que era quem recebia a assinatura, ajudava-o a encher os formulários, às vezes na sua casa, e quase entre os potes de louça e o cheiro de valeriana da única farmácia que restava em Macondo, onde vivia Mercedes, a sigilosa namorada de Gabriel. Era a última coisa que ia ficando de um passado cujo aniquilamento não se consumava, que continuava se aniquilando indefinidamente, consumindo-se dentro de si mesmo, se acabando a cada minuto mas sem acabar de se acabar nunca."
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Gabriel García Marquez. Cem anos de solidão. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 380-382

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