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estava pendurando uma gaiola que se parecia com um móbile. pássaros de madeira balançavam presos do lado de fora de sua base. apesar da empolgação com o novo enfeite, olhei para a paisagem através da parede de vidro da sala. era uma mata com árvores bonitas. o céu estava lindo, com nuvens em formatos e cores convidando à contemplação. notei não ter abertura alguma em minha casa. nenhuma porta ou janela. tal parede de vidro me permitia ver o que existia lá fora, mas não possuía nenhuma saída. como se minha alma saísse do corpo, me vi dentro da casa pelo lado de fora da mesma. a arquitetura de minha casa era semelhante a uma gaiola.

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acordei e olhei para os enfeites pendurados na parede. um postal sobre lygia clark, uma pintura em longplay, um pente indígena. os coloquei ali durante a manhã. ultimamente, tenho recordado apenas os sonhos dos cochilos pós-almoço. pensei comigo, sendo filha de estelina: sua casa não pode ser sua prisão!

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uma semana depois da mudança resolvi deixar a casa ficar suja e bagunçada, para sentir ser este espaço habitado por mim, meus movimentos e fluxos de energia.

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planejo mudar a disposição dos móveis da sala e quarto de hóspedes.

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cerca de seis meses morando nesta casa, não compro mais nenhum utensílio doméstico. não vejo beleza nos pequenos detalhes pendurados na parede. não noto o espaço como antes. espero ansiosamente pela chuva do fim de setembro, para transformar toda a poeira do ar em barro do chão.

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a previsão do tempo é de chuva na segunda-feira. hoje não limpei a casa.

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(domingo, 25 de setembro. ouço o vendaval e os chuvisco no telhado)

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