"não era uma amizade, era uma proposta de vida. De certas pessoas não é possível aproximar-se de uma forma superficial, há que submergir profundamente e isso nos aconteceu: me submergi em Clarice e Clarice se submergiu em mim."
(Olga Borelli sobre Clarice Lispector em "Clarice: uma vida que se conta". Nádia Battela Gotlib. São Paulo: Editora Ática, 1995. p.395)
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.De: thiago costa
Para: porosoinc
Enviadas: Segunda-feira, 22 de Março de 2010 22:05:04
Assunto: //__``#
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apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme
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(charme, por Paulo Leminski)
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É outra coisa. A amizade. Por que se é amigo de alguém? Para mim, é uma questão de percepção. É o fato de... Não o fato de ter idéias em comum. O que quer dizer "ter coisas em comum com alguém"? Vou dizer banalidades, mas é se entender sem precisar explicar. Não é a partir de idéias em comum, mas de uma linguagem em comum, ou de uma pré-linguagem em comum. Há pessoas sobre as quais posso afirmar que não entendo nada do que dizem, mesmo coisas simples como: "Passe-me o sal". Não consigo entender. E há pessoas que me falam de um assunto totalmente abstrato, sobre o qual posso não concordar, mas entendo tudo o que dizem. Quer dizer que tenho algo a dizer-lhes e elas a mim. E não é pela comunhão de idéias. Há um mistério aí. Há uma base indeterminada... É verdade que há um grande mistério no fato de se ter algo a dizer a alguém, de se entender mesmo sem comunhão de idéias, sem que se precise estar sempre voltando ao assunto. Tenho uma hipótese: cada um de nós está apto a entender um determinado tipo de charme. Ninguém consegue entender todos os tipos ao mesmo tempo. Há uma percepção do charme. Quando falo de charme não quero supor absolutamente nada de homossexualidade dentro da amizade. Nada disso. Mas um gesto, um pensamento de alguém, mesmo antes que este seja significante, um pudor de alguém são fontes de charme que têm tanto a ver com a vida, que vão até as raízes vitais que é assim que se torna amigo de alguém. Vejamos o exemplo de frases! Há frases que só podem ser ditas se a pessoa que as diz for muito vulgar ou abjeta. Seria preciso pensar em exemplos e não temos tempo. Mas cada um de nós, ao ouvir uma frase deste nível, pensa: "O que acabei de ouvir? Que imundicie é essa?" Não pense que pode soltar uma frase destas e tentar voltar atrás, não dá mais. O contrário também vale para o charme. Há frases insignificantes que têm tanto charme e mostram tanta delicadeza que, imediatamente, você acha que aquela pessoa é sua, não no sentido de propriedade, mas é sua e você espera ser dela. Neste momento nasce a amizade. Há de fato uma questão de percepção. Perceber algo que lhe convém, que ensina, que abre e revela alguma coisa.
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*Deleuze, Amizade.
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"Ressaltar a importância da amizade enquanto Política, experimentando outras formas de sociabilidade, com ênfase na pluralidade dos participantes, constituiria-se como um exercício do político ante essa sociedade que limita e prescreve as formas de relacionamento, e um estímulo crucial para a reflexão sobre a identidade e o significado de suas inter-relações.
(...)
Podemos observar nos últimos anos um crescente interesse na filosofia francesa pela amizade e por um novo pensamento de comunidade e sociabilidade. Uma série de pensadores, entre eles Maurice Blanchot, Michel Foucault, Jaques Derrida, Gilles Deleuze, Felix Guattarri, Jean-Luc Nancy, têm colocado a questão da amizade e da comunidade no centro de sua filosofia, com freqüência no contexto de uma tentativa de recuperar o político para a comunidade, de re-pensar, re-construir, o político e a democracia. Ou seja, a amizade sendo deslocada de uma esfera privada, da intimidade, para o mundo, a sociabilidade, o público. Um estudo histórico do fenômeno da amizade e uma análise de sua dimensão política/ética/estética permitir-ia investigar a noção de comum nos textos destes e autores afins; e reconstruir a partir desses textos, o exercício da amizade como reinvenção do político, uma ética de amizade no contexto de uma possível atualização da estética da existência, permitindo transcender o quadro da auto-elaboração individual para se colocar numa dimensão coletiva, como alternativa ao esvaziamento da esfera pública.
Uma política não centrada no Estado, e sim existencialista, na procura de autenticidade, o que permite fazer uma ponte entre o pensamento de Foucault, Derrida, Deleuze e os de Hannah Arendt, como sinaliza Ortega ao defender a tese de que todos esses autores, no fundo, visam a uma alternativa política que vai além de uma política partidária e que propõe a recuperação do espaço público: a política compreendida como atividade de criação e de experimentação. Política como dinâmica, acontecimento e começo, como interrupção de processos automáticos. Nesse sentido, a amizade, representa, um ‘exercício do político’, um apelo a experimentar formas de sociabilidade e comunidade, procurando alternativas às formas tradicionais de relacionamento."
(Edson de Barros em "gerAção Comum / a mania de dizer A GENTE: Portas Lógicas e Conexões Periféricas para entender a Amizade como Polarização da Arte", disponível
aqui)