Chego correndo em casa. Vai anoitecer. Engulo uns pães de queijo e uns eme eles de leite de soja. 18h em ponto. Pego firme a Baiana e subo a ranpinha do gramado rumo ao portão da rua. Pedalo em ritmo acelerado até chegar ao anel viário, faixa de asfalto que divide a cidade dos morros cobertos pelo cerrado. Surpreendo minha constância no ritmo e na carga da bike. Pedalar na penumbra é interessante, se vê mais o céu, o vulto das árvores e dos morros. Na última subida até o final do asfalto, encontro um rapaz correndo no breu. Ele me olha atravessando a pista, eu o olho meio tensa: “Uai, professora! Isso é hora?”.  Ah, o fim do asfalto! Agora é meia volta volver e acalmar a respiração durante a descida. O vento esfria o suor e me preocupo com a possibilidade de algum inseto atingir meus olhos. Pisco mais vezes por isso. Percorro todo o caminho de volta, muita escuridão. Carros passam com seus faróis me deixando cega, tento me orientar pela faixa branca da pista, quase inexistente. O céu está lindo. Cheiro de carniça. Buracos na pista. Pronto, agora estou na cidade. No entanto, a escuridão continua. Desço por uma rua sem iluminação. Sigo veloz. Alterno minha atenção olhando pro chão, tentando ver algum buraco, e pra frente com receio de atropelar algum cachorro. Sinto um tranco no pneu da frente: “Um buraco gigante!”. Caio em algo macio, não entendo nada. “Que delícia!” Me levanto rapidamente, confusa entre o susto e o prazer. Tento identificar o que aconteceu, onde estou. “Não acredito!” Com os olhos agitados consigo ver um monte enorme de terra e do lado direito uma casa em construção. Vejo seu cume e sobre ele a sombra do Morro do Frota com suas antenas. Baiana caída sobre aquela terra toda. Desço do monte. Um carro se aproxima. Me preocupo em levantá-la rapidamente e sair pedalando como se nada tivesse acontecido. Não dou conta de toda a dimensão da pequena montanha na qual me enfiei. A confusão continua, piorada pela vontade de rir daquilo. O carro está chegando. “E se for outro aluno? Vamos Baiana, vamos logo!” Seu guidão está torcido, o carro está do nosso lado. Aquela terra toda no ar. Muita terra no ar! Desço a rua engasgando de vontade de rir, quero chegar logo em casa. Pela pouca iluminação de um poste solitário, vejo minhas roupas, meus braços e pernas vermelhos de terra. Imagino os pedreiros chegando pra trabalhar na manhã seguinte e notando as marcas do meu corpo e da Baiana. Calculo que nunca teria coragem de me enfiar conscientemente naquele monte de terra, apesar da experiência involuntária provar que além de seguro é extremamente divertido cair no macio da terra! Em casa. Sim, o espelho. Vamos ver a situação da pessoa. Não consigo rir, a gargalhada está presa, no meio do peito, contraindo a barriga e a glote. Acho que a euforia da situação não me deixa soltar o riso. Tomar banho ou me alongar? Tiro a roupa vermelha. Os pés e os chinelos estão irreconhecíveis. Me alongo pra perceber se não machuquei nada. Pernas. Braços. Coluna. Agora uma invertida e uma ponte. Água de chuveiro, escova nas unhas do pé. Barrinho no chão do banheiro. Redemoinho de caldo vermelho ralo abaixo. Hidratante. Desodorante. Riso ainda preso. “Putz, como faço?” Já sei! Quando a Vanusa chegar, vou contar. Até lá, vou assistindo um Wood Allen, mais adequado seria um Mr Bean. “Vanusa, você não sabe o que aconteceu...” Corpo mole após meia hora de risadas e baba escorrendo pelo canto da boca inclinada sobre a almofada! “Ai que fome, que tal uma pamonha?”.

Um comentário:

Pevuxo disse...

Vc me tirou um sorrisão!
Cássia Tauá!